Navio de imigrantes – Jacinta Passos

Autor: Jacinta Passos


a Lasar Segall

Gestos parados
no limiar
do céu e mar.
Corpos largados
desamparados,
límpido tempo
de primavera
mora no fundo
de vossa espera.
Navio sombrio, que levas no bojo?
– descobre o teu véu:
navegas em busca da terra ou do céu?
Corpos humanos
suportam corpos,
seus desenganos.
Corpo, cansaço,
longa viagem,
busca um regaço,
terra ou miragem
Arca ou navio,
nau ou galera,
vens doutra era,
séculos a fio. 
Qual o teu rumo?
Levas o sumo
da dor humana
que se supera,
vida ou quimera
No bojo teu,
levas o sonho
de Prometeu.
Levas em ti
o amanhã,
judeus do Egito
a Canaã.
Levas os negros,
nau ou barcaça,
e mais o drama
de sua raça.

Levas Chiquinha
e sua dor,
a dor que é minha.
Levas Colombo,
levas o povo
e a descoberta
dum mundo novo.
No limiar
do céu e mar.
Qual o teu rumo?

Só tu resistes,
as águas tristes
cobriram tudo,
sozinho, mudo,
sinais profundos
vês no horizonte,
tu és a ponte
entre dois mundos.
Asas alerta,
fim, descoberta,
anunciação,
ramo de paz,
âncora, chão,
beira de cais,
ave, esperança,
nau da aliança.
– Jacinta Passos (1944), em “Canção da partida”. São Paulo: Edições Gaveta, 1945.

Jacinta Passos

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